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24 OUTUBRO 2016
ARTIGOS – CULTURA
Comentário de Olavo de Carvalho:
É para pessoas como o Dante Mantovani que gosto de escrever.
1- A linguagem empregada no livro é direta e sinuosa ao mesmo tempo, o que demonstra a junção dos planos da inventio, e da elocutio da retórica clássica , além de demonstrar o domínio absoluto da linguagem literária rigorosamente filiada à tradição das línguas latinas. O texto é fluido e profundo ao mesmo tempo, palatável à leitura, mas densamente povoado de informações altamente relevantes. É importante fazer essa ressalva, porque livros extremamente densos do ponto de vista filosófico costumam ser escritos em linguagem igualmente densa e impenetrável, como não nos deixa mentir a Crítica à Razão Pura, de Immanuel Kant, ou o Ser e Tempo, de Martin Heidegger. Este não é o caso de ‘O Jardim das Aflições’, que pode ser lido por pessoas com básica formação intelectual, o que, admito, é algo raro no Brasil de hoje. Porém, o mais importante é não deixar de assinalar a homologia entre os planos da forma e do conteúdo, pois o livro não chama atenção apenas por sua originalidade, mas também por sua forma “musical”, o que nos leva à minha segunda observação.
2- Na palestra de relançamento do livro ocorrida no dia 21 de maio de 2015, transmitida para o auditório da Livraria Cultura de São Paulo, capital, e retransmitida pela Rádio Vox, Olavo de Carvalho disse que o poeta carioca Bruno Tolentino (1940-2007) ao receber cópia do manuscrito d’O Jardim das Aflições teria dito que a estrutura do livro o lembrara das sinfonias do compositor finlandês Jean Sibelius (1865-1957). Pus-me a ler o livro com ainda mais avidez por conta dessa sugestão, visto que a relação estrutural entre a música sinfônica e a linguagem literário-filosófica, além de ter sido tema da minha tese de doutoramento pela UEL, é um dos assuntos que mais desperta meu interesse, ao mesmo tempo em que é pouco estudado pela musicologia e pelos historiadores da literatura. Passei então a procurar as similaridades entre o texto de Olavo de Carvalho e as sinfonias de Jean Sibelius e cheguei a algumas hipóteses, mas não sei se estou certo, se é isso mesmo que Bruno Tolentino quis dizer, ou ainda se o autor do livro o chancelaria, contudo, resolvi registrar essa impressões até para organizar minha própria mente após leitura de tão denso trabalho. Pois bem, suponho que a tal similaridade sugerida por Bruno Tolentino se dê na sobreposição, acumulação e recíproca incorporação de temas e motivos musicais áridos e trágicos, não sem a presença de umleitmotiv, que a despeito de sua natureza ríspida não temem apresentar-se cruamente. Ao mesmo tempo, a sinceridade com que os temas desnudam-se impiedosamente sugere uma síntese de beleza intensa à problemática anteposta, qual solução como a flor que nasce do pântano sombrio e inexplorado. No caso das sinfonias de Sibelius, os temas são precedidos de longas e intensas preparações , que na forma-sonata chamamos “pontes”, que têm a função de estabelecer os vínculos entre temas, desenvolvimentos e re-exposições. Os temas musicais são também expostos a nu, como no texto de Olavo de Carvalho, e em ambos os casos, gigantescas espirais de novas informações tratam de efetuar as variações e adjunções ao protagonismo temático. Por exemplo, no cap. V de Jardim das Aflições, predomina o tema do imperium – o qual muito lembra os temas dos primeiros movimentos das sinfonias de Sibelius – que é um sujeito temático transposto à integralidade da forma musical, assim como o prof. Olavo demonstra que a ideia de translatio imperii ronda a história das nações ocidentais como uma verdadeira obsessão dos últimos milênios, qual possível fosse a restauração do Império Romano. Assim como essa ideia de fazer reviver o Império Romano fragmentado após as invasões bárbaras, Sibelius mantém a obsessão pelo imperium da grande forma sinfônica aliada à tematização da inóspita paisagem natural e espiritual da Finlândia no fragmentário séc.XX, em que compor sinfonias parecia loucura diante de tantas novas “possibilidades” que as estéticas vanguardistas anunciavam.
3- A tese da translatio imperii (Algo como “Translado do Império”, no caso, o Romano) realmente perpassa toda a mentalidade ocidental e quando falo sobre mentalidade refiro-me às profundas estruturas de compreensão que temos, no Ocidente, do fenômeno político. Todas as vezes que me coloquei a pensar sobre a organização do estado, a “sombra” do Império Romano sobrevinha-me à mente, exatamente como sugere o Jardim. Todas as vezes que visitei as capitais do Norte e Nordeste do Brasil, como Recife-PE, São Luís-MA, Belém-PA, era impossível não observar a influência romana na arquitetura dos centros administrativos , assim como das ideias republicanas na organização dos poderes cujas sedes pareciam projetados por arquitetos romanos, à sombra do onipresente Direito Romano que é base de nossa estrutura administrativa, ou ainda a ideia do Império Português, que foi uma das manifestações da translatio imperiina Era Moderna, e o “vice-reino do Brasil”, por sua vez, seria uma espécie de “sub translatio” como bem assinala Olavo de Carvalho no livro V – Caesar Redivivus. Fato é que eu nunca havia parado para pensar na origem dessa ideia de imperium, e agora sei exatamente de onde vem. Ora, se essa ideia tem resiliência o suficiente para ribombar na cabeça de um jovem ex-aspirante a vereador de Paraguaçu Paulista como eu, como não estará no centro mesmo dos acontecimentos políticos do ocidente, como uma “mão invisível” que guia sua História?
4- Os símbolos como método de análise histórica abrem grande horizonte metodológico ao pesquisador/cientista social/historiador das ideias. Inclusive soluciona grandes problemáticas da historiografia literária e das artes em geral. A interpretação que o prof. Olavo faz da obra de Goethe, Stendhal e Dostoievsky é algo mais relevante e substancial do que toda a produção da crítica literária dos últimos três séculos somadas.
5- O estudo da atuação do secreto na História é contribuição original e necessária à compreensão de fatos obscuros e/ou de difícil interpretação da história humana dos últimos dois milênios. Não há ação sem agente, assim como não há direito sem que exista o titular deste direito. Assim, as ações históricas certamente possuem autores muito bem delineáveis, por mais que estes muitas vezes pratiquem esforços hercúleos para permanecerem nas sombras.
6- Pela diversidade de temas abordados, que englobam não só a dimensão simbólica dos acontecimentos históricos, mas também suas dimensões metafísicas mais profundas, assim como a investigação sob a ótica da espiritualidade, esta obra é a mais completa chave interpretativa da realidade publicada em nosso tempo.
Agora que expus minhas impressões acerca do livro ‘O Jardim das Aflições’, convido todos a lerem a obra, e para quem já leu, fico satisfeito se o que expus nestas curtas notas sirva ao menos como uma confirmação de alguma impressão similar que o livro tenha causado.
Gostei dessas notas.